'Outbêco', versão genérica de restaurante faz sucesso em
comunidades do Rio
Não, você não leu errado. Outbêco é inspirado naquela rede famosa da Flórida (EUA), trazida ao Brasil em 1997. No cardápio, nomes de pratos iguais àqueles que são sucesso na original, mantidos em inglês
Luis Zamorano
Fonte: https://tab.uol.com.br/
Em: 13/09/2021
O primeiro Outbêco foi
inaugurado em agosto de 2020. Sucesso meteórico: já são 40 filiais espalhadas pelas favelas do Rio, segundo o dono. A ideia
veio de um momento de fúria de Daniel Felix, 46, idealizador, que nasceu na
Lapa e cresceu em Vilar dos Teles, na Baixada Fluminense.
Em 2009, conta ele, comandava duas franquias de cursos de inglês na
Baixada. Naquele final de ano, durante uma confraternização de empresas em um
hotel bacana na Barra de Tijuca — todo mundo devidamente alcoolizado, ninguém
com muito juízo —, um cara debochou dele. "Imagina
o povo da tua terra aqui?", disse o incauto. "Fiquei com muita
raiva do desdém, quase fomos às vias de fato, a briga teve que ser
apartada", diz ele, filho de pedreiro. O nervoso plantou a semente do que,
11 anos depois, viria a ser o Outbêco.
Felix sempre teve o que classifica como vida dupla: andava com os
playboys e com a galera da favela, era o menino da Baixada enturmado com a
classe média. Começou a cursar Letras na UFRJ (Universidade Federal do Rio de
Janeiro) em 1992, não chegou a concluir o curso, mas expandiu os círculos
sociais. "Eu ia surfar no Recreio [zona oeste do Rio] com os amigos que
fiz na faculdade e na volta passava no Outback. Achava aquele lugar o máximo, a
comida muito gostosa, o ambiente legal", diz ele.
Em 2013, as duas
filiais do curso de inglês de Daniel foram à falência. "Fiquei
completamente duro", relata. Fez uma coisa e outra para sobreviver até
que, em 2016, começou a prestar serviço indireto para o Outback, entregando
mercadoria nos galpões. Foi conhecendo gente, se envolvendo com a cozinha,
aprendendo os pratos. Garante ter as receitas originais, mas o jeito falastrão
fica misterioso quando perguntado como conseguiu o feito e se limita a admitir
que teve ajuda interna. Segredo em mãos, era hora de tirar do papel a ideia de
levar comida boa pro "povo da terra dele".
A primeira filial do
Outbêco foi na comunidade da Pedreira, e a explicação não reserva espaço para
modéstia. Ele afirma ser altamente popular por ali, fruto dos tempos de menino
em que, diz, era craque de bola ("Já joguei até no América") e frequentava
muitas favelas.
Cerca de R$ 10 mil
foi o montante investido no Oubtêco 1, saídos diretamente do bolso de Daniel.
"Não quis fazer nada muito rebuscado para não assustar os clientes e
franqueados”. Sim, desde antes de abrir a primeira unidade, ele já acreditava
que teria franqueados e planejava o sucesso. "Eu já sabia até que estaria dando entrevista sobre", garante.
na filial no alto da favela da Rocinha, no Rio
Para a inauguração,
nenhuma estratégia de marketing, nada de Instagram, nada de Facebook. Ele abriu
e esperou o povo vir. O povo veio, meio desavisado, mas com fome.
"Chegavam pedindo hambúrguer, pedindo pinga", conta ele. Alguns até
estranharam, mas a noite foi de sucesso, segundo ele, que fez de tudo: atendeu
gente, fritou batata, assou costela — e muita. "Vendi 78 naquela noite",
diz. O estoque acabou.
A versão "made
in comunidade" é indiscretíssima:
a logomarca é igual, os nomes de pratos também. E a similaridade obscena não
demorou a chamar a atenção do restaurante original. Pouco depois da
inauguração, Felix diz ter recebido uma visita de advogados do Outback em sua
casa, em São João de Meriti, com uma notificação extra-judicial. "Disseram
que a gente estava usando o trademark, imitando a costela, e que não poderia
usar as placas nos nossos estabelecimentos. Dei uma gargalhada e eles riram
também", afirma. O motivo do riso é o fato de os estabelecimentos ficarem bem no meio de comunidades, onde
qualquer tipo de fiscalização é, digamos, bem rara. "Eles entenderam e
falaram que a gente precisaria mudar a logomarca no Instagram. Mudamos e foi
isso."
O interesse da
clientela em virar empresária do ramo alimentício surgiu (e cresceu)
rapidamente, conforme ele esperava. Manicures, motoboys, trabalhadores que
querem ser donos do próprio negócio têm procurado Felix para abrir uma portinha
de Outbêco como franqueado. Daniel cobra uma taxa fixa única: um salário mínimo
é o necessário para ingressar no grupo, mais R$ 150 mensais, investidos em
marketing. "O investimento máximo para abrir um Outbêco é de R$ 10 mil,
que são usados para pintar uma parede de preto, comprar os utensílios
necessários para começar a produzir, então é um investimento inicial possível,
porque as pessoas parcelam tudo", diz ele.
Um cuidado do
idealizador é com a qualidade do atendimento. Ele recomenda que não se fale
palavrão; muita gíria no atendimento também é um hábito a ser evitado. Usar os
termos em inglês é importante. Não é franguinho, é kookaburra. Costela, não; é
ribs. "Falar assim ajuda a ganhar clientes, mas muita gente não entende
ainda. Eu dou as costas e voltam a falar franguinho", confessa ele, que,
ao mesmo tempo que tenta implementar um padrão à inglesa, admite que cada
Outbêco acaba tendo uma identidade própria. "Essa é a graça, cada unidade
terá uma personalidade e estilo".
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