segunda-feira, 20 de setembro de 2021

'Outbêco', versão genérica de restaurante faz sucesso em comunidades do Rio

Não, você não leu errado. Outbêco é inspirado naquela rede famosa da Flórida (EUA), trazida ao Brasil em 1997. No cardápio, nomes de pratos iguais àqueles que são sucesso na original, mantidos em inglês

Luis Zamorano

Fonte: https://tab.uol.com.br/

Em: 13/09/2021 


Cardápio e embalagens do Outbêco.
Imagem: Lucas Landau/UOL

O primeiro Outbêco foi inaugurado em agosto de 2020. Sucesso meteórico: já são 40 filiais espalhadas pelas favelas do Rio, segundo o dono. A ideia veio de um momento de fúria de Daniel Felix, 46, idealizador, que nasceu na Lapa e cresceu em Vilar dos Teles, na Baixada Fluminense.

Em 2009, conta ele, comandava duas franquias de cursos de inglês na Baixada. Naquele final de ano, durante uma confraternização de empresas em um hotel bacana na Barra de Tijuca — todo mundo devidamente alcoolizado, ninguém com muito juízo —, um cara debochou dele. "Imagina o povo da tua terra aqui?", disse o incauto. "Fiquei com muita raiva do desdém, quase fomos às vias de fato, a briga teve que ser apartada", diz ele, filho de pedreiro. O nervoso plantou a semente do que, 11 anos depois, viria a ser o Outbêco.

Felix sempre teve o que classifica como vida dupla: andava com os playboys e com a galera da favela, era o menino da Baixada enturmado com a classe média. Começou a cursar Letras na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 1992, não chegou a concluir o curso, mas expandiu os círculos sociais. "Eu ia surfar no Recreio [zona oeste do Rio] com os amigos que fiz na faculdade e na volta passava no Outback. Achava aquele lugar o máximo, a comida muito gostosa, o ambiente legal", diz ele.

Em 2013, as duas filiais do curso de inglês de Daniel foram à falência. "Fiquei completamente duro", relata. Fez uma coisa e outra para sobreviver até que, em 2016, começou a prestar serviço indireto para o Outback, entregando mercadoria nos galpões. Foi conhecendo gente, se envolvendo com a cozinha, aprendendo os pratos. Garante ter as receitas originais, mas o jeito falastrão fica misterioso quando perguntado como conseguiu o feito e se limita a admitir que teve ajuda interna. Segredo em mãos, era hora de tirar do papel a ideia de levar comida boa pro "povo da terra dele".

A primeira filial do Outbêco foi na comunidade da Pedreira, e a explicação não reserva espaço para modéstia. Ele afirma ser altamente popular por ali, fruto dos tempos de menino em que, diz, era craque de bola ("Já joguei até no América") e frequentava muitas favelas.

Cerca de R$ 10 mil foi o montante investido no Oubtêco 1, saídos diretamente do bolso de Daniel. "Não quis fazer nada muito rebuscado para não assustar os clientes e franqueados”. Sim, desde antes de abrir a primeira unidade, ele já acreditava que teria franqueados e planejava o sucesso. "Eu já sabia até que estaria dando entrevista sobre", garante. 

O dono da rede Outbêco, Daniel Felix, e Alex Backer, franqueado,
na filial no alto da favela da Rocinha, no Rio
Imagem: Lucas Landau/UOL

Para a inauguração, nenhuma estratégia de marketing, nada de Instagram, nada de Facebook. Ele abriu e esperou o povo vir. O povo veio, meio desavisado, mas com fome. "Chegavam pedindo hambúrguer, pedindo pinga", conta ele. Alguns até estranharam, mas a noite foi de sucesso, segundo ele, que fez de tudo: atendeu gente, fritou batata, assou costela — e muita. "Vendi 78 naquela noite", diz. O estoque acabou.

A versão "made in comunidade" é indiscretíssima: a logomarca é igual, os nomes de pratos também. E a similaridade obscena não demorou a chamar a atenção do restaurante original. Pouco depois da inauguração, Felix diz ter recebido uma visita de advogados do Outback em sua casa, em São João de Meriti, com uma notificação extra-judicial. "Disseram que a gente estava usando o trademark, imitando a costela, e que não poderia usar as placas nos nossos estabelecimentos. Dei uma gargalhada e eles riram também", afirma. O motivo do riso é o fato de os estabelecimentos ficarem bem no meio de comunidades, onde qualquer tipo de fiscalização é, digamos, bem rara. "Eles entenderam e falaram que a gente precisaria mudar a logomarca no Instagram. Mudamos e foi isso."

O interesse da clientela em virar empresária do ramo alimentício surgiu (e cresceu) rapidamente, conforme ele esperava. Manicures, motoboys, trabalhadores que querem ser donos do próprio negócio têm procurado Felix para abrir uma portinha de Outbêco como franqueado. Daniel cobra uma taxa fixa única: um salário mínimo é o necessário para ingressar no grupo, mais R$ 150 mensais, investidos em marketing. "O investimento máximo para abrir um Outbêco é de R$ 10 mil, que são usados para pintar uma parede de preto, comprar os utensílios necessários para começar a produzir, então é um investimento inicial possível, porque as pessoas parcelam tudo", diz ele.

Um cuidado do idealizador é com a qualidade do atendimento. Ele recomenda que não se fale palavrão; muita gíria no atendimento também é um hábito a ser evitado. Usar os termos em inglês é importante. Não é franguinho, é kookaburra. Costela, não; é ribs. "Falar assim ajuda a ganhar clientes, mas muita gente não entende ainda. Eu dou as costas e voltam a falar franguinho", confessa ele, que, ao mesmo tempo que tenta implementar um padrão à inglesa, admite que cada Outbêco acaba tendo uma identidade própria. "Essa é a graça, cada unidade terá uma personalidade e estilo". 

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